sexta-feira, outubro 27, 2006

Serena estava morando sozinha há um ano. Gostava do trabalho, da idéia de casar e ter filhos antes dos trinta. Católica não-praticante, tinha Bíblia em casa. Serena teve dois namoros, o primeiro durou dez meses; o mais recente, um ano e meio. Gozou 3 vezes. Uma sonhando -- acordou tão encharcada quanto aturdida. Outras duas com o primeiro namorado, antes da penetração, foi a língua dele. Em agosto, Serena percebeu algo diferente na janela do apartamento em frente ao seu, a poucos metros, entre as cortinas ela viu um garoto, branco, magro, adolescente, deitado na cama, a mão dentro da bermuda, não via o rosto. Sentiu vergonha, um pouco de nojo. Mas no dia seguinte ficou à espera do garoto, que talvez até estivesse no quarto, porém com a luz apagada, impedindo a visão de Serena. E foi assim durante todos os dias seguintes. O passar das semanas trouxe o esquecimento, apenas vez por outra Serena olhava rápido por sua janela querendo ver se o garoto surgia novamente. Nada, tudo na mesma rotina de sempre, trabalho, casa, jantar na frente da novela, meia-hora de chat e cama. Foi preciso dois meses para o caso do garoto se repetir. Ele acendeu a luz do quarto, pegou uma revista, deitou na cama e deslizou a mão dentro da bermuda. Serena numa cadeira, de frente para a janela, o tronco inclinado, os olhos arregalados. A revista caiu e o movimento na bermuda se intensificou. Ela queria ter o rosto dele, mas a fresta só permitia parte do corpo, do peito às coxas. Tudo foi rápido; quase como um espasmo, o garoto livrou-se da bermuda. Serena viu o corpo saindo da cueca, a genuflexão seguida do que parecia o desenlace, o garoto se virando, deixando a bunda coberta pela cueca entregue aos olhos do prédio em frente. Só então Serena cerrou a vista e se tomou como ser novamente, consultando sem saber direito por que tudo que se passava consigo. Ao fim da cena no apartamento da frente, Serena notou as próprias coxas contraídas, saliva lhe faltando na boca e os braços flexionados junto ao peito segurando o rosto confuso. Não queria acreditar no que estava passando, saiu de um golpe da cadeira na frente da janela e andou pela casa sem saber o que procurava. Parou no banheiro, veio a vergonha de olhar o rosto no espelho, mas fez. Imagens percorreram seu olhar interno, uma profusão que não permitia enxergar nitidamente uma sequer. O espelho indicou uma lágrima, dizendo o que acontecia, um corpo que diabolicamente apreciara tudo que se passara no quarto do garoto, naquela cama, tudo oposto ao que ela cria como civilizador. Não queria e sabia muito bem por que não queria, mas postou-se de costas diante do vaso, abriu a braguilha e num soluço carregado de choro, baixou o jeans. Chorou assim, sentada no vaso, o jeans abaixo dos joelhos, a calcinha ainda no lugar. Não queria ver. Mas pôs-se de pé, tirou as lágrimas escorridas pelas bochechas e baixou devagar a calcinha, olhando primeiro a penugem ao fim do ventre e em seguida a umidade que na verdade era uma lâmina perfazendo a renda. As mãos foram à boca e de novo chorou.

quinta-feira, outubro 19, 2006

De pau duro. Tenha medo. Era assim que eu estava naquela sala, carne num tapete, posição meio de índio, sem camisa, sem cueca nem calcinha. Eu mirava o cabelo rosa da mulher-boneca, ela, os olhos, numa reta direto pro meu. Estendeu a mão, eu fui de rosto tocá-la, a palma colou minha bochecha, cerrei a vista acendendo a pele, tocou-me no pau, veio um sussurro que não decifrei nem soube se meu, em seguida um hálito fervendo e úmido escorregando, percorrendo linda. Nada tinha de seguro, embarquei naquilo, simples, movimento que não era eu, que só me fazia oscilar assim: não tinha palavra, só um impulso que não se entendia, o corpo indo. Vou gozar, disse, ela disse, agora eu sabia, ela. Segure minha boca, abafei-a como pude, explodindo entre seus dedos, escorrendo em sua barriga, ela num ‘ah’ extenso mas abafado, eu morrendo.

sábado, outubro 07, 2006

Caminhávamos em direção a sua casa. O passeio, como outros, tinha servido para beber e conversar. Há cerca de um ano nos conhecíamos e vez por outra, um ou outro telefonava para um bate-papo ou convidando para o cinema. Vez por outra significa aqui a cada vinte ou mais, trinta dias entre um encontro e outro. Até aquela noite, quando caminhávamos em direção a casa dela, não sei dizer por que, não posso recordar agora, mas eu a tinha simplesmente como uma pessoa amiga, com quem eu gostava de conversar porque apesar de jovem como eu, era bem mais informada e se mostrava disposta a falar sobre boa parte de assuntos com certo distanciamento, sem considerações moralistas, por exemplo. Aprendi coisas da intimidade feminina numa de nossas saídas. Não, não na prática, preciso retificar o que eu disse: Flávia me contava experiências suas que contribuíam para o meu entender das mulheres. Às vezes, eu que me tinha por aberto a qualquer tema, me via surpreso com a naturalidade que Flávia falava de sua vida com os homens, que fique claro, sua vida íntima com os homens. Não demorou a eu contar certos fatos sobre mim que a outros ouvidos teriam caráter de relato sigiloso. Nossas saídas me serviam como terapia, eu começara a contar a ela minhas angústias e alguns de meus desejos. Sempre procurei estudar bem a correspondência entre o-que-dizer/para-quem-dizer. Com Flávia, isso não era assim, os critérios que me serviam para selecionar assuntos de conversa com outras pessoas, com Flávia se tornavam inválidos. Parecia que eu poderia contar tudo. Bom, digamos que muito a mais do que eu contaria aos demais amigos e conhecidos. Não lembro onde tínhamos ido naquela noite, mas tenho a impressão que nada de anormal se havia dado. Voltávamos do centro, isto sei, caminhando para a sua casa. Deveria ter sido uma noite de papo, cigarros, cervejas e só. Mas não. Assim que me despedi, na frente de sua casa, ela deu um passo portão adentro, eu do lado de fora do cercado. Ouvi meu nome. Flávia se voltou para mim, se aproximou e me pediu um beijo. Devo ter feito a melhor expressão de surpresa que se é possível fazer, e, sem pensar, sem dizer nada, fui ao encontro de sua boca.