sábado, julho 08, 2006

Eu estava lá, no meu relógio tinha ainda dois minutos de sobra. Hotel Gardim, eu iria naquele pugueiro de novo, eu estava lá esperando ela. Respirei fundo, lembrei a música que cantara em casa, e com a música a viagem a Florianópolis que guardarei comigo enquanto tiver memória. A música pra mim se mistura àquela viagem. E a doidice vivida naquela época voltava um pouco agora, aqui; daqui a pouco com a mulher que eu esperava chegar. Eu parado na calçada, na Getúlio, de frente para o hotel, somando as letras verdes: G-a-r-d-i-m. Pensei comprar cigarros, tomar alguma coisa, sair correndo dali imediatamente, fugindo. Uma buzinada me fez saltar, olhei o Uno vermelho passando. Pensei "ela!", mas só tinha um cara e um cachorro dentro. Quase passava a taquicardia da buzinada quando me assaltou o berro “Idiota!” de uma voz feminina que descia a JK. Era ela. Não vi, não reconheci a voz, que estava distante, mas sabia que era. Me virei pro berro, lá vinha, atrás de um grupinho de adolescentes de uniformes bordô. Os adolescentes ressabiados virados pra ela como que perguntando a quem chamava idiota. Não procurei despistar, fiquei olhando em sua direção. Andar estabanado, um sorriso gigante e o olhar de quem me devoraria em segundos. Engoli seco, idiota, ressoou em mim, só agora aquela palavra tinha achado o significado. Cocei o cabelo, o nariz, mordi os lábios, tirei botei de volta os óculos, olhei os carros passando, os adolescentes, o chão, voltei a mirá-la. Estava perto. Um velho me olhava, um velho que sempre ficava de braços cruzados na porta do hotel, e ele olhava ela também, sabia que nos encontrávamos no hotel, e via que ela dizia alguma coisa pra mim; não sei se ele conseguia identificar as palavras sem som na boca dela: vou te comer! Chegou e eu não soube o que dizer, depois disse oi, ela abriu o sorriso e estendeu a mão em cumprimento, como vai o senhor, senhor José Brasil? Eu ri de canto de lábios, meus olhos excretaram alguma lágrima de constrangimento e tive de levantar os óculos para secar, era só do esquerdo, passei o dorso da mão e estendi a outra para cumprimentá-la. Pergunte como deves me chamar hoje, ordenou. Como devo te chamar hoje? Me abraçou, como fazia sempre, apertando ao máximo. Subiu os braços pelas minhas costas até chegar em meu pescoço e sussurrou linda, me chame linda hoje. Linda, repeti.