sexta-feira, maio 18, 2007

Me deu um troço ao ver aquele corpo suado e ensangüentado. Não tinha os olhos abertos, a boca, sim, e falava algo com precisão, nada pra mim, eram gritos surdos, imitei os movimentos da boca e assim pude decifrar na hora algumas palavras, mas já não me recordo. Que era daquilo? Uma mulher sangrando deitada no chão frio, uma mulher deitada no chão frio se contorcendo com dor ou prazer, não sei, e suando, a mão fremia no núcleo de sangue, e eu não pensei em nada, meu rapaz, nadinha. A primeira coisa que vi foram os pés, estavam bem unidos, também agonizando, mas, diferente do corpo, eu tinha certeza que estavam gelados, puta frios; não, eu não pensei em nada, senti apenas o gelado daqueles pés conduzindo toda minha imaginação por um vácuo, uma massa de nada. Não troquei uma sílaba sequer com a mulher, quis lhe perguntar sobre o momento, mas fiquei quieto, muito importuno interrompê-la. Lembrei o que ela disse num dos gritos surdos, ela disse amado!, sem me olhar, foi isso, amado, eu preciso de ti!, e em seguida se desfez no sangue, acho que foi aí que vi bem seus dentes, até na boca tinha sangue, borrava o branco dos dentes, que momento de fúria!, eu disse ou só pensei dizer. Eu fiquei na porta, na porta aberta da casa, aquela mulher me desejava, por isso eu estava ali. Não me importei com a porta aberta, esqueci-a inclusive, me acocorei no chão frio, meio que sem entrar todo na casa, me acocorei e o zíper da jaqueta tocou o piso, o tempo se esfacelou comigo revisando na memória cada fragmento do desvanecer da mulher, ô, rapaz!, a hora que a mulher se perdeu no próprio sangue, lembra?, caso é que eu me demorei naquela posição, acocorado, a cabeça a captar a mulher sangrenta; na hora de levantar, tive dificuldades, uma dormência nas pernas e costas, as costas doíam forte, e eu disse isso à mulher, que não respondeu, talvez não tenha me ouvido, encasquetei aí ser eu o tal amado que a mulher chamara nos gritos surdos. Foi uma coisa besta, pois era a primeira vez que via a mulher; devo dizer, tive vontade de abraçá-la, me juntar a ela, tocar no seu sangue e morrer num sono lento e vadio, mesmo naquele chão gelado com a mulher suja de sangue e febril. Isso não ficou só na vontade, isso foi o que se deu. Tirei a roupa no ritmo da respiração da mulher, as meias, pensei deixar, mas quis ter os pés nus e gélidos como os dela. Daí me abaixei, daí fui perto, a mulher me pediu uma coisa com os olhos, botei de leve a boca na gota de suor no bico, impingi suavidade aos lábios, sugar, não suguei, mesmo assim, senti sal na mulher, meus dedos foram parar na sangueira, a mulher não se moveu.