sexta-feira, abril 06, 2007

Em 87-88 iniciou o período de descoberta da noite. A molecada seguia nas brincadeiras menosprezando a ordem dos pais de estar em casa ao pôr do sol.

Nessa época, com mais freqüência, as meninas participavam das brincadeiras dos garotos. Principalmente do esconde-esconde, que a escuridão fazia mais atraente. Não sei se estávamos ligados, mas apreciávamos essa mistura meninos-meninas.

Marcão, um seco dentuço de nossa rua, não sei como, deu a largada na pegação, toda tarde ficava aos beijos com a feia mas gostosa da Rúbia, enquanto o restante do pessoal continuava nas brincadeiras tolinhas. Rúbia negava a meninice, tinha o corpo carnudo, boca, peitos e bunda de mulher, e sabia bem disso, tanto que se insinuava com todos os garotos. Víamos a inveja das outras meninas, todas rezando pra que brotassem nelas o mais rápido possível tudo que então havia na Rúbia, e que ela muito bem exibia. Rúbia, certamente, foi motivo de muitos banhos demorados entre os garotos da rua. Mas, no fim das contas, foi o Marcão que levou, mesmo seco e dentuço. Será que o Marcão ‘tá comendo?, todo mundo queria saber, não recordo se alguém matou a questão.

No verão de 88 tivemos uma sexta-feira que foi apontada como o dia mais quente dos últimos anos. Apesar de ter chovido no início da tarde, às seis ainda restava um bafo insuportável e a gurizada esperou até quase oito da noite pra começar a correria. Antes do esconde-esconde, pra refrescar, tomamos banho de mangueira na casa da Nanda, a magrelinha linda e tímida, branquinha, olhos azuis, cabelos lisinhos e negríssimos. No banho, encharcamos e enlameamos as calçadas e pisoteamos as flores da mãe da Nanda. O resultado foi um puta esporro na menina, a mãe proibindo-a de brincar conosco por um bom tempo. Lembro que, por sentir sua falta nas rodas, eu, muitas vezes, sonhei com ela, abraçava forte o travesseiro, imaginando ser seu corpo, e o enchia de beijos apaixonados.

Depois de algumas rodadas do esconde-esconde, era noite, e muitos, temendo o chinelaço, já estavam debaixo do chuveiro de suas casas, restando meia dúzia de crianças para continuar a brincadeira. Assim que iniciaram a contagem, eu já sabia onde me esconder, fui direto para o quintal da Dona Raquel. O local era altamente estratégico, eu ficaria a apenas cinqüenta metros de onde o Teta (o gordinho do sobrado amarelo) partiria em nossa busca, e com uma vista privilegiada, pois o terreno da Dona Raquel era elevado, permitia que eu avistasse facilmente todos os movimento do nosso amigo.

Mal pulei a cerca da Dona Raquel, ouvi uma voz fininha, me ajuda a subir, anda!, olhei, era Bibi, guriazinha de 12 anos, minha vizinha, que me seguira, me seguira porque eu sempre acertava na escolha do esconderijo. A contragosto, puxei a pirralha cerca acima. Por que não arranja outro lugar?, questionei indignado. Quero aqui!, foi só isso que ela disse. Não reinei mais porque o Teta terminava a contagem e nos pegaria logo de início. Só me fodo, resmunguei. Ficamos, então, eu e a pirralha, atrás de um canteiro, agachados. A Bibi tinha um problema, ria de tudo que os outros falavam ou faziam, mesmo quando não havia motivo. Avisei de cara tens que ficar quieta se quiseres ficar aqui! Ela arregalou os olhos e concordou, imediatamente cobrindo a boca com as duas mãos, como se já tivesse uma gargalhada pronta pra explodir.

Bastou uns poucos minutos ali atrás do canteiro pra eu ouvir: preciso fazer xixi! Era só o que faltava, fodeu de vez a brincadeira, falei pra pirralha. Agüenta, Bibi! Já tô segurando desde antes, não consigo mais! Te fode!, concluí no que ela fez cara de choro. Nisso, passava o Teta à nossa caça, passava bem perto de nós, podíamos ver suas pernas pelas frestas dos arbustos que nos protegiam. Sem pensar, tapei a boca da Bibi, que, com suas mãozinhas mínimas, afastou os dedos meus que cobriam seu nariz. Com a outra mão, fiz sinal de silêncio, o indicador sobre meus lábios em bico; a Bibi anuiu com os olhos. O Teta se foi, e, na seqüência, ouvimos um dos piás berrando corre gordo leiteiro, quero ver se me pega! Não pegou. Coitado do gordinho, só se lascava nas corridas.

Alarguei os arbustos tentando ver se era hora de abandonar o esconderijo no que ouvi de novo -- preciso mijar, porra!, a Bibi irritadíssima. Os palavrões eram comuns entre os guris, nem nos dávamos conta, pois estavam nas nossas línguas como quaisquer outras palavras, mas ver a Bibi, tão miudinha e inocente, dizendo porra era algo diferente e pelo qual eu me espantava. Não podemos sair agora, Bibi, o Teta pega a gente, não tem como. Então vou fazer aqui!, ela disse. Eu ri amarelo, não acreditando. Vira pra lá, advertiu. Quê? Foi só naquela hora que olhei bem para ela, mesmo escuro, vi que usava um top verde e uma saia curtinha vermelha, a franja na altura dos olhos negros impositivos. Olha pra lá, porra! Obedeci. Ouvi a pequena se ajeitando, ciciando algo que não deu pra ouvir e, depois, aquele ruído. Um jato vigoroso contra a terra. Não pude deixar de olhar, a três palmos de mim, a Bibi acocorada, de saia levantada deixando à mostra parte da calcinha branca, os cabelos compridos quase no chão, os pés bem afastados, a mão direita lá embaixo, talvez puxando a calcinha para o lado, desimpedindo o jato. Instantaneamente, formou um laguinho em torno dela, que depois transbordou e virou uma corredeira em minha direção. Acompanhei sem ação o xixi da Bibi vindo, driblando a textura do solo até se acomodar às solas de minhas sandálias. Tudo à minha volta era mijo, mijo da Bibi. Ao terminar, aliviada, a pequena festejou, meu caralho, quanto mijo!, mas constrangeu-se ao perceber que, além dela, eu também era uma espécie de náufrago. A noite escondeu, mas entrevi o rubor das bochechas no modo com que ela pediu desculpas. Eu disse dei-xa... com a voz cortada por engolir seco, ainda admirado com a cena. Bibi, pelo contrário, retomara rápido a postura nem-aí, e me disse vamos sair daqui, ‘tá fedendo! Não entendi direito por quê, mas segurei a pequena pelo braço e cochichei em seu ouvido, advertindo que não se mexesse, que o Teta estava por perto e nos encontraria se saímos naquele momento, ela perguntou como eu sabia, menti dizendo que de onde eu estava podia vê-lo, ela concordou e demos uns passos até um canto meio apertado, mas seco.

Mais um mês e eu completaria treze, não tinha, portanto, nem um ano de diferença da Bibi, que acabara de festejar os doze. Mesmo assim, eu me julgava maior que ela, seu protetor até. Talvez por isso eu nunca tinha pensado nela como pensava na Nanda (que era um ano mais velha que eu), com afeto, com uma ingênua ardência. O caso do xixi afetou a maneira como eu enxergava a Bibi, se, para ela, aquilo foi um ato pueril, urgente e irrelevante, para mim, foi hora de perceber que ela tinha algo que me interessava.

Tapei de novo a boca da Bibi. Desta vez, não tinha razão praquilo, e ela me inquiriu com os olhos negros, é pra caso der vontade de rir, expliquei, dissimulando meu desejo de ficar ali, junto dela. Quedei-me ao seu lado, encostando de leve meu corpo nela, nós dois acocorados atrás dos arbustos, meu braço esquerdo envolvendo seu pescoço, a mão cobrindo seus lábios, sem pressioná-los. Cochichei que ficasse em silêncio, sob o pretexto de sempre, não sermos pegos, e, ao fazê-lo, detive-me no perfume dos seus cabelos; falei, então, mais alguma bobagem, apenas pra ficar com o nariz emaranhado naqueles fiozinhos e alimentar o impulso que me inebriava. Me perdi nas sensações, abandonei, sem dar conta, as referências contextuais, sendo conduzido simplesmente por suaves convulsões. Mas acabou. E acabou abruptamente.

Enquanto eu ainda divagava, a Bibi soltou um vai, porraaa! estridente, todo no meu ouvido e me empurrou, reagi com um salto e no cair botei a mão no lago de mijo. A pirralha zarpou. Tudo aquilo porque o Teta havia nos achado, gordo leiteiro filho da puta. A Bibi correu, passou o gordo e se salvou, eu não. Não pude. Tive que dar um tempo ali atrás do mato, pra baixar o shorts. Ninguém entendeu por que não corri junto com a Bibi. Nunca me expliquei.