segunda-feira, abril 30, 2007

São jovens, merecem perdão. Trabalham juntos há alguns meses, têm beleza. Nesta tarde, estão sós, e organizam o escritório. Ele tem mulher e filho, ela tem marido. Mas estão próximos demais, ó deus, qualquer um os perdoaria! Abaixados, revisando documentos, o hálito dela, sem saber, acaricia seu rosto e atrai seus olhos para o colo. Algo mudou, ele já não apenas pensa no ofício, o pulso é outro. Ela continua a conferência, mas está bem ciente da mudança de seu colega. Dissimulada! Pronto, bastará um início de sorriso dela para o desenlace. E vai acontecer, ah, eu sei que vai, e será assim que ele despejar aquela pilha de papéis sobre a mesa dela. Preciso referir, o jogo todo está mais na mente de ambos do que em suas expressões. Alguém que acompanhasse tudo de fora, concluiria que trabalham e nada mais. Mas na mente de nossos dois jovens o trabalho é agora parte da trama. Ela está na mesa, leitor, ela está de pé mexendo em algo sobre sua mesa, lá vem ele com os papéis, ele diz alguma coisa, ela olha, ele olha, ela abaixa o rosto, mas já lhe escapuliu aquele meio sorriso, nada mais que fazer, vem o perfume, o batom, as mãos querem negar, não podem mais, e se entregam num furor que prediz os minutos seguintes, que força contida!, de onde tamanho desejo?

quinta-feira, abril 26, 2007

Gostas? Ela olhou o mar, rasante gaivota, tremulou os lábios sadios e coçou o peito, pela borda. Que gente gostosa, me disse. Saradões de tatoos e popozudas. Fui dizer que ainda gostava dela, mas no meio disso me vazou duas bolinhas de saliva que acompanhei, desordenadas, uma na mesa do boteco, a outra eu perdi. Lembras que falei em casamento em junho de 2003?, perguntei. Não, ela respondeu em escárnio, só recordo de me perguntares o tempo todo se eu queria um leitinho quente. Cuspi toda cerveja e tossi. Ridículo. Tenho tesão por ti, João, me falou no ouvido, lambi sua língua tentando o rabo daquelas últimas palavras. Por que nos separamos?, o garçom questionou. Diga Lívia, diga a ele, diz João, diz a ele por que nos separamos. Nos separamos porque nosso amor se pesa em metros, em dor, em falta, em esquecimento, em corrosivos ciúmes, nosso amor é amor ao tempo que nos apaga.

quarta-feira, abril 25, 2007

Logo depois que nos cumprimentamos, sentei no sofá, com chá de maçã. Lívia apagou a luz, sem dizer nada, me puxou, sentamos no chão, ela começou a abrir os botões de minha camisa. Shhhh, ela fez no que eu falei da xícara de chá, bico calado, ordenou. Deitei já sem calças, os dedos dela remexendo meus pentelhos. Puxei-a contra meu peito, sua língua me aquecendo, preciso ir no banheiro, ela interrompeu, vou contigo, adverti, e fomos, nus, eu mirando a celulite na bunda submissa ao dragão. Não vou fazer xixi, João.

Estou no quarto de Lia, a filha, remexo, cds, antidepressivos, pontas de fumo, livros, algumas fotos, meu pau me ameaça endurecendo no armário de calcinhas, rendas, desenhinhos nas de algodão, mas é o perfume do travesseiro que me aflige. Saio do quarto, Lívia está no chuveiro, meu pau está duro demais, ando pela casa sem saber onde parar, a ponta acesa na boca, os olhos na brisa da sacada, na cabeça o pedido de bebida. Toca o telefone, não pára mais de tocar, Lívia vem se secando, eu estou na brisa da sacada, o pau duro, socando, queimando. Era meu marido, diz Lívia, meu ex-marido. Eu rio alto, Lívia me bota na boca, vai, ela pede, eu vou, vou todo pra ela em três berros.

Estou chupando a boceta de Lívia, no sofá. Ela fuma e na fumaça vai sua vida, não pude ler o letreiro do ônibus ontem, não sabia mais, vi as letras, não consegui somá-las. Fumei um com o garoto do trabalho, já te falei isso, mas não contei que ontem fui na casa dele e trepamos. Lívia ri, ri em desespero, dizendo que está grávida do garoto do trabalho, diz ter certeza que sua porra está toda nela e tomando forma, vai se chamar Joãzinho. Mando calar a boca, ela lança o punho contra minha cara, seguro-a pelo pescoço e digo que fala besteiras, que não engravidou nem trepou com ninguém. Não trepei, ela confirma e arrota. Quero chorar um pouco, João. Pego-a no colo, voltamos pra sacada, ponho-a no beiral com as pernas pra fora, Lívia balança as pernas, as tetas acompanham o movimento, eu me desenlaço daquela mulher e cochicho abra as pernas. Lívia, apoiada em mim, se acocora no beiral, abra as pernas, eu repito e aponto um moleque na janela do prédio em frente, olho o rosto, a mulher ri, os dentes todos à mostra, amasso as tetas, brinco nos bicos. Já podes chorar.

O telefone volta a tocar. É Lia, podes buscá-la?

Desço a Blumenau, quebro na Max Colin, mais umas quadras, é aqui, é ela ali. Cadê minha mãe? Dor de cabeça, digo, entra. Onde tem cerveja aqui perto?, pergunto. A menina Lia demora a responder. Aqui, pára aqui. Um bar. Tem as tetas grandes da mãe, meu pau deve estar com a saliva de Lívia, tem fumo?, peço, e vejo a menina investigar o maço de cigarros, só uma ponta, ela responde, vamos acelerar nessa cerveja, concluo. Assim que nos afastamos do bar, Lia abre a bolsa e tira uma bala, só tenho uma, ‘tá a fim? A bala se parte na boca da menina, vou buscar minha metade, reclama da barba, reclama do bafo, mas fico nela, língua de morango. Vamos pegar o carro, falo acelerando o passo. Conheço um lugar legal, é pertinho, ela diz saidinha, não dou piu, apenas mando abrir o vidro, peidei feio e gargalho achando que não findarei mais o riso. Sobe aí, diz Lia, paro o carro, estamos na subida do motel, um cigarro, anda!, peço dando tapinhas nas coxas da menina, e vou embora.

Moro aqui... Ligo a tevê, desligo, ouço minha barriga grunhir e um tesão chegando, no banheiro, pia, lavo o pau, Lia me observa, comeu a minha mãe, hoje?, ela atira, não, respondo, nunca trepamos, sou amigo da tua mãe, só. Ligo o chuveiro, sento no bacio, vem cá, Lia entra, e começo a despi-la, uma tattoo perto da buça, uma coisa noutra língua, minha cabeça não entende, mas minha carne já montou e chacoalha na menina, na queda algo de meu corpo estalou e ficou rosnando, senti a menina Lia espernear, talvez não quisesse, talvez eu devesse calar sua boca. O sangue do meu dedo aberto era o mesmo de trinta pequeninas poças pelo chão, meu pau ainda estava duro, todo na calda da menina, que repetia vou vomitar, vou vomitar. Senti que precisava mais uma esporrada, e sabia que esta ia demorar. Poupei a boquinha.

sexta-feira, abril 06, 2007

Em 87-88 iniciou o período de descoberta da noite. A molecada seguia nas brincadeiras menosprezando a ordem dos pais de estar em casa ao pôr do sol.

Nessa época, com mais freqüência, as meninas participavam das brincadeiras dos garotos. Principalmente do esconde-esconde, que a escuridão fazia mais atraente. Não sei se estávamos ligados, mas apreciávamos essa mistura meninos-meninas.

Marcão, um seco dentuço de nossa rua, não sei como, deu a largada na pegação, toda tarde ficava aos beijos com a feia mas gostosa da Rúbia, enquanto o restante do pessoal continuava nas brincadeiras tolinhas. Rúbia negava a meninice, tinha o corpo carnudo, boca, peitos e bunda de mulher, e sabia bem disso, tanto que se insinuava com todos os garotos. Víamos a inveja das outras meninas, todas rezando pra que brotassem nelas o mais rápido possível tudo que então havia na Rúbia, e que ela muito bem exibia. Rúbia, certamente, foi motivo de muitos banhos demorados entre os garotos da rua. Mas, no fim das contas, foi o Marcão que levou, mesmo seco e dentuço. Será que o Marcão ‘tá comendo?, todo mundo queria saber, não recordo se alguém matou a questão.

No verão de 88 tivemos uma sexta-feira que foi apontada como o dia mais quente dos últimos anos. Apesar de ter chovido no início da tarde, às seis ainda restava um bafo insuportável e a gurizada esperou até quase oito da noite pra começar a correria. Antes do esconde-esconde, pra refrescar, tomamos banho de mangueira na casa da Nanda, a magrelinha linda e tímida, branquinha, olhos azuis, cabelos lisinhos e negríssimos. No banho, encharcamos e enlameamos as calçadas e pisoteamos as flores da mãe da Nanda. O resultado foi um puta esporro na menina, a mãe proibindo-a de brincar conosco por um bom tempo. Lembro que, por sentir sua falta nas rodas, eu, muitas vezes, sonhei com ela, abraçava forte o travesseiro, imaginando ser seu corpo, e o enchia de beijos apaixonados.

Depois de algumas rodadas do esconde-esconde, era noite, e muitos, temendo o chinelaço, já estavam debaixo do chuveiro de suas casas, restando meia dúzia de crianças para continuar a brincadeira. Assim que iniciaram a contagem, eu já sabia onde me esconder, fui direto para o quintal da Dona Raquel. O local era altamente estratégico, eu ficaria a apenas cinqüenta metros de onde o Teta (o gordinho do sobrado amarelo) partiria em nossa busca, e com uma vista privilegiada, pois o terreno da Dona Raquel era elevado, permitia que eu avistasse facilmente todos os movimento do nosso amigo.

Mal pulei a cerca da Dona Raquel, ouvi uma voz fininha, me ajuda a subir, anda!, olhei, era Bibi, guriazinha de 12 anos, minha vizinha, que me seguira, me seguira porque eu sempre acertava na escolha do esconderijo. A contragosto, puxei a pirralha cerca acima. Por que não arranja outro lugar?, questionei indignado. Quero aqui!, foi só isso que ela disse. Não reinei mais porque o Teta terminava a contagem e nos pegaria logo de início. Só me fodo, resmunguei. Ficamos, então, eu e a pirralha, atrás de um canteiro, agachados. A Bibi tinha um problema, ria de tudo que os outros falavam ou faziam, mesmo quando não havia motivo. Avisei de cara tens que ficar quieta se quiseres ficar aqui! Ela arregalou os olhos e concordou, imediatamente cobrindo a boca com as duas mãos, como se já tivesse uma gargalhada pronta pra explodir.

Bastou uns poucos minutos ali atrás do canteiro pra eu ouvir: preciso fazer xixi! Era só o que faltava, fodeu de vez a brincadeira, falei pra pirralha. Agüenta, Bibi! Já tô segurando desde antes, não consigo mais! Te fode!, concluí no que ela fez cara de choro. Nisso, passava o Teta à nossa caça, passava bem perto de nós, podíamos ver suas pernas pelas frestas dos arbustos que nos protegiam. Sem pensar, tapei a boca da Bibi, que, com suas mãozinhas mínimas, afastou os dedos meus que cobriam seu nariz. Com a outra mão, fiz sinal de silêncio, o indicador sobre meus lábios em bico; a Bibi anuiu com os olhos. O Teta se foi, e, na seqüência, ouvimos um dos piás berrando corre gordo leiteiro, quero ver se me pega! Não pegou. Coitado do gordinho, só se lascava nas corridas.

Alarguei os arbustos tentando ver se era hora de abandonar o esconderijo no que ouvi de novo -- preciso mijar, porra!, a Bibi irritadíssima. Os palavrões eram comuns entre os guris, nem nos dávamos conta, pois estavam nas nossas línguas como quaisquer outras palavras, mas ver a Bibi, tão miudinha e inocente, dizendo porra era algo diferente e pelo qual eu me espantava. Não podemos sair agora, Bibi, o Teta pega a gente, não tem como. Então vou fazer aqui!, ela disse. Eu ri amarelo, não acreditando. Vira pra lá, advertiu. Quê? Foi só naquela hora que olhei bem para ela, mesmo escuro, vi que usava um top verde e uma saia curtinha vermelha, a franja na altura dos olhos negros impositivos. Olha pra lá, porra! Obedeci. Ouvi a pequena se ajeitando, ciciando algo que não deu pra ouvir e, depois, aquele ruído. Um jato vigoroso contra a terra. Não pude deixar de olhar, a três palmos de mim, a Bibi acocorada, de saia levantada deixando à mostra parte da calcinha branca, os cabelos compridos quase no chão, os pés bem afastados, a mão direita lá embaixo, talvez puxando a calcinha para o lado, desimpedindo o jato. Instantaneamente, formou um laguinho em torno dela, que depois transbordou e virou uma corredeira em minha direção. Acompanhei sem ação o xixi da Bibi vindo, driblando a textura do solo até se acomodar às solas de minhas sandálias. Tudo à minha volta era mijo, mijo da Bibi. Ao terminar, aliviada, a pequena festejou, meu caralho, quanto mijo!, mas constrangeu-se ao perceber que, além dela, eu também era uma espécie de náufrago. A noite escondeu, mas entrevi o rubor das bochechas no modo com que ela pediu desculpas. Eu disse dei-xa... com a voz cortada por engolir seco, ainda admirado com a cena. Bibi, pelo contrário, retomara rápido a postura nem-aí, e me disse vamos sair daqui, ‘tá fedendo! Não entendi direito por quê, mas segurei a pequena pelo braço e cochichei em seu ouvido, advertindo que não se mexesse, que o Teta estava por perto e nos encontraria se saímos naquele momento, ela perguntou como eu sabia, menti dizendo que de onde eu estava podia vê-lo, ela concordou e demos uns passos até um canto meio apertado, mas seco.

Mais um mês e eu completaria treze, não tinha, portanto, nem um ano de diferença da Bibi, que acabara de festejar os doze. Mesmo assim, eu me julgava maior que ela, seu protetor até. Talvez por isso eu nunca tinha pensado nela como pensava na Nanda (que era um ano mais velha que eu), com afeto, com uma ingênua ardência. O caso do xixi afetou a maneira como eu enxergava a Bibi, se, para ela, aquilo foi um ato pueril, urgente e irrelevante, para mim, foi hora de perceber que ela tinha algo que me interessava.

Tapei de novo a boca da Bibi. Desta vez, não tinha razão praquilo, e ela me inquiriu com os olhos negros, é pra caso der vontade de rir, expliquei, dissimulando meu desejo de ficar ali, junto dela. Quedei-me ao seu lado, encostando de leve meu corpo nela, nós dois acocorados atrás dos arbustos, meu braço esquerdo envolvendo seu pescoço, a mão cobrindo seus lábios, sem pressioná-los. Cochichei que ficasse em silêncio, sob o pretexto de sempre, não sermos pegos, e, ao fazê-lo, detive-me no perfume dos seus cabelos; falei, então, mais alguma bobagem, apenas pra ficar com o nariz emaranhado naqueles fiozinhos e alimentar o impulso que me inebriava. Me perdi nas sensações, abandonei, sem dar conta, as referências contextuais, sendo conduzido simplesmente por suaves convulsões. Mas acabou. E acabou abruptamente.

Enquanto eu ainda divagava, a Bibi soltou um vai, porraaa! estridente, todo no meu ouvido e me empurrou, reagi com um salto e no cair botei a mão no lago de mijo. A pirralha zarpou. Tudo aquilo porque o Teta havia nos achado, gordo leiteiro filho da puta. A Bibi correu, passou o gordo e se salvou, eu não. Não pude. Tive que dar um tempo ali atrás do mato, pra baixar o shorts. Ninguém entendeu por que não corri junto com a Bibi. Nunca me expliquei.