sexta-feira, julho 27, 2007

Dei pisca à esquerda e parei. Na janela veio uma voz arfante: o senhor vai pra Curitiba? Respondi que não, que entraria antes; mesmo assim, o garoto e a menina, dois cães de rua, entraram no carro, iriam até onde eu fosse. Antes da parada, antes de parar o carro para o garoto e a menina entrarem, bem antes, eu vinha me perguntando onde acharia alguma diversão, se as bocas daquela estrada seriam assaz ferozes ou eu poderia suportar os hálitos, as palavras desenganadas e as quedas implacáveis do restante de seus corpos, ah, Dorinha!, eu suspirei, puta, esta sim, puta algoz, surrupiando os meninos que fui, minhas primeiras cédulas para ver dela só os montinhos, aos doze, montinhos, com treze, pêlos e saliva, com treze ainda o frenesi truculento e lascivo, sucos, babas e pingos de nós, ah, Dorinha puta! Saudei os caroneiros, acendi um cigarro, a menina fez cara de nojo, e partimos. Mal se instalou no banco, o garoto disparou a narrativa, contou-me do trabalho num mercadinho, da vila onde morava no Rio Grande do Sul e da briga com a mulher, motivo pelo qual estava agora andarilhando com a menina, o garoto fora expulso de casa, a briga na semana passada lhe rendera um galo acima do olho esquerdo, ó só!, ele apontava a testa, e dizia estou na rua com a menina, pretendo ir e ficar uns tempos na casa de um parente no Paraná, até sossegar a raiva da mulher. E a menina, é sua filha?, questionei. O garoto disse que não era filha, aparecera do nada um dia à noite e acabou ficando, vivia com o casal gaúcho havia três meses... Nessa hora, o garoto se virou para a menina no banco de trás, fez uns gestos e balbuciou alguma coisa lentamente. Escutei um resmungo gutural e, pelo espelho, vi a menina dar um soquinho no ar, com o polegar para o alto. O garoto me disse que ela não tinha compreendido nossa conversa, mas que agora ele já tinha explicado tudo a ela. Não entendi o que o garoto quisera dizer com aquilo. Ela parece pequena, né?, disse o garoto meio rindo, mas é só na cara, já tem quase dezessete essa guria!, e completou, é surda a bichinha, é surda e muda, não dá um pio, nunca, nunca. Mirei de novo o retrovisor e vi a menina mordendo os lábios, talvez ansiosa por saber o que o garoto acabara de me contar.

2 Comments:

At sexta-feira, 31 agosto, 2007, Blogger Bianca Melyna said...

hehe, apagou a posteriori, mas eu devo dizer que li.

 
At quinta-feira, 22 novembro, 2007, Blogger katherine funke said...

seja quem for m, é um puta escritor. teu texto puxa a gente pras próximas palavras, é muito bom. parabéns de verdade.

 

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