domingo, abril 23, 2006

Beira-mar, sol de inverno. Sentamos na areia, ela dizendo algo sem eu segurar uma letra. Não tínhamos intimidade, mesmo assim peguei sua mão, seus olhos me interrogando o motivo. Talvez eu devesse tirar aquele cílio acomodado no canto de seu lábio. Não fiz. Em vez disso, retive cada traço de seu rosto. Achei que o instante seria próprio para um beijo; num filme, num romance, aconteceria assim. Foi diferente, não havia motivo pra beijo. Não sei se ela queria, mas deve ter pensado também num beijo. Ela ia dizer algo, cheguei a sentir o hálito que me traria sua palavra; mas por minha expressão de inépcia, hesitou, entreabriu a boca, não disse. Fechei meus olhos e deparei com o inefável, um átimo mínimo, amálgama do terrível com belo. Suei e ri, um riso de gozo, um suor de não sei... Passando esse sublime, me deitei na areia, sem soltar a mão dela. A areia envolvendo meu cabelo, a umidade se enroscando em meu pescoço, o riso se transfigurando. Ela quedou arregalada sobre mim. Me vi infantil, desejando seu seio, mas não pedi.