quarta-feira, março 01, 2006

Comprei ontem, num sebo, uma edição especial da revista Bravo! (dez/05) que traz os cem melhores da cultura em oito anos (teatro, dança, música, exposições, livros, filmes). Não há crítica propriamente, é mais uma sinopse que em alguns casos recorre a elogios. Comprei a revista com o objetivo de ver quem da literatura estava listado lá (do cinema também), uma tentativa de saber se meu ‘gosto’ estava afinado ou não, e, claro, tomar a lista como receituário para futuras apreciações. Ao ler, motivei-me a recuperar um pequeno trecho da obra S/Z, de Roland Barthes.

A crítica e outras discussões sobre arte, que envolvem diretamente a questão do gosto, mostram-se amiúde curiosas pelas formas como se propõem fundamentar a beleza de uma dada obra, seja música, filme, literatura... Embora eu não concorde inteiramente com Barthes, aprecio a capacidade de promover embates da seguinte passagem: “não se pode explicar verdadeiramente [a beleza]: ela diz-se, afirma-se, repete-se em relação a cada parte do corpo, mas não se descreve”. Para a defesa da beleza, os únicos recursos possíveis são a “tautologia” ou a “comparação”, completa Barthes. A saída ‘é porque é’ (ex. meu) ou “um rosto oval, perfeito” é tautológica, volta-se sobre si própria. E quando se diz “bela como uma madona de Rafael” ou “bela como Vênus”, faz-se uma comparação.

Para verificarmos como funciona na prática, tomo trechos da revista Bravo! Sobre Budapeste, está assim: “o mais bem elaborado romance de Chico Buarque não deixa de ser uma fábula faustiana” – uma comparação, portanto. De O Som e a Fúria, William Faulkner, a revista assinala: “este retrato de uma família decadente do sul dos Estados Unidos é uma das obras-chave do século 20. Na nova tradução, Paulo Henriques Britto encontrou soluções magistrais” – aqui (obras-chave/magistrais) temos a tautologia, o adjetivo quer por si só persuadir o leitor, não há demonstração. Sobre Cidade dos Sonhos, de David Lynch, o alicerce também é a comparação: “o filme todo é uma fantasia autoral digna dos filmes de Fellini”. Em tais defesas o argumento primordial é a Arte (com ‘a’ maiúsculo), ou seja, se o romance de Chico Buarque se aproxima da obra faustiana então pode ser considerado um bom romance, o mesmo vale para Cidade dos Sonhos, porque é comparável a Fellini. “Mas, e Vênus? Bela como quem? Como ela própria?”, é o que se questiona Barthes e que podemos transportar para as defesas da Bravo!: e Fellini, belo como quem?

6 Comments:

At quarta-feira, 01 março, 2006, Blogger Ivana said...

Do livro de cabeceira das misses - as belas entre as belas - talvez saia uma explicação nada científica, mas absolutamente comovente... "A beleza está nos olhos de quem a vê" (Exupery)...
Vai ver que é por isso que o dia de hoje, cinza e abafado, tem um quê de belo..

 
At quarta-feira, 01 março, 2006, Blogger m said...

Também sou favorável a esse ponto de vista democrático quanto à beleza. Mas dele, como uma mão que pensa conter a água em sua palma, parece escapar alguma coisa. Ou seja, há, e isso é fato, julgamentos comuns sobre diversas obras de artes. Uma das perguntas que me parece pertinente ao tema e que desembocaria daí seria: é a beleza objetiva, é de algum modo palpável?

 
At quarta-feira, 01 março, 2006, Blogger Ivana said...

prefiro pensar que a beleza que nos seduz seja apalpável...

 
At quarta-feira, 01 março, 2006, Blogger m said...

está ficando bom! rss, agora provocando, rss: quanto do nosso julgamento será sobre algo tangível, real (no sentido de uma coisa a que qualquer pessoa poderá ver, tocar, sentir), e quanto será mediação do modo como estamos habituados a perceber o mundo? Deixo uma citação pra atiçar a fogueira: "tudo o que está presente a nós é uma manifestação fenomenal de nós mesmos" (Charles Peirce).

 
At quarta-feira, 01 março, 2006, Blogger Ivana said...

Estamos entrando em uma seara que chega a ser comovente... De um lado, a beleza formal - em seu conceito de estética - e o olhar ferino do cientista que quer arrancar da forma a exatidão matemática. Do outro o lirismo, a poesia e o belo sem qualquer preocupação de sê-lo, enfim...

Oras, cada um com sua matemática!!! :)

Para Peirce, Wilde... "A beleza é uma forma da genialidade-aliás, é superior à genialidade na medida em que não precisa de comentário. Ela é um dos grandes fatos do mundo, assim como a luz do Sol, ou a primavera, ou a miragem na água escura daquela concha de prata que chamamos de lua. Não pode ser interrogada, é soberana por direito divino."

 
At quarta-feira, 01 março, 2006, Blogger Cristiano Nagel said...

Bem vindo ao mundo dos blogueiros... sinta-se em casa, ou numa mesa de bar.... abraços

 

Postar um comentário

<< Home